"Já me estão a cansar... parem lá com a mania de que digo muitos
palavrões, caralho! Gosto de palavrões! Como gosto de palavras em
geral. Acho-os indispensáveis a quem tenha necessidade de dialogar...
mas dialogar com carácter! O que se não deve é aplicar um bom palavrão
fora do contexto, quando bem aplicado é como uma narrativa aberta, eu
pessoalmente encaro-os na perspectiva literária! Quando se usam
palavrões sem ser com o sentido concreto que têm, é como se
estivéssemos a desinfectá-los, a torná-los decentes, a recuperá-los
para o convívio familiar. Quando um palavrão é usado literalmente, é
repugnante.
Dizer "Tenho uma verruga no caralho" é inadmissível. No entanto, dizer
que a nova decoração adoptada para a CBR 900 não lembra ao "caralho",
não mete nojo a ninguém. Cada vez que um palavrão é utilizado fora do
seu contexto concreto e significado, é como se fosse reabilitado. Dar
nova vida aos palavrões, libertando-os dos constrangimentos
estritamente sexuais ou orgânicos que os sufocam, é simplesmente um
exercício de libertação.
Quando uma esferográfica não escreve num exame de Estruturas "ah a
grande puta... não escreve!", desagrava-se a mulher que se prostitui.
Em Portugal é muito raro usarem-se os palavrões literalmente. É
saudável. Entre amigos, a exortação "Não sejas conas", significa que o
parceiro pode não jogar um caralho de GT2. Nada tem a ver com o calão
utilizado para "vulva", palavra horrenda, que se evita a todo o custo
nas conversas diárias.
Pessoalmente, gosto da expressão "É fodido..." dito com satisfação até
parece que liberta a alma! Do mesmo modo, quando dizemos "Foda-se!", é
raro que a entidade que nos provocou a imprecação seja passível de ser
sexualmente assaltada. Por ex.: quando o Mário Transalpino "descia" os
8 andares para ir á garagem buscar a moto e verificava que se tinha
esquecido de trazer as chaves... "Foda-se"!! não existe nada no
vocabulário que dê tanta paz ao espírito como um tranquilo
"Foda-se...!!". O léxico tem destas coisas, é erudito mas não liberta.
Os palavrões supostamente menos pesados como "chiça" e "porra",
escandalizam-me. São violentos.
Enquanto um pai, ao não conseguir montar um avião da Lego para o
filho, pode suspirar após três quartos de hora, "ai o caralho...", sem
que daí venha grande mal à família, um chiça", sibilino e cheio, pode
instalar o terror. Quando o mesmo pai, recém-chegado do Kit-Market ou
do Aki, perde uma peça para a armação do estendal de roupa e se põe,
de rabo para o ar, a perguntar "onde é que se meteu a puta da
porca...?", está a dignificar tanto as putas como as porcas, como as
que acumulam as duas qualidades.
Se há palavras realmente repugnantes, são as decentes como "vagina",
"prepúcio", "glande", "vulva" e escroto". São palavrões precisamente
porque são demasiadamente inequívocos... para dizer que uma localidade
fica fora de mão, não se pode dizer que "fica na vagina da mãe" ou "no
ânus de Judas". Todas as palavras eruditas soam mais porcas que as
populares e dão menos jeito! Quem é que se atreve a propor expressões
latinas como "fellatio" e "cunnilingus"? Tira a vontade a qualquer um!
Da mesma maneira, "masturbação" é pesado e maçudo, prestando-se pouco
ao diálogo, enquanto o equivalente popular "esgalhar um pessegueiro",
com a ressonância inocente que tem, de um treta que se faz com o
punho, é agradavelmente infantil. Os palavrões são palavras
multifacetadas, muito mais prestáveis e jeitosas do que parecem. É
preciso é imaginação na entoação que se lhes dá. Eu faço o que posso."
sexta-feira, junho 13, 2008
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