quinta-feira, outubro 25, 2007

Tu porque andas cá meu filho?

Tu porque andas cá meu filho? Porque continuas tu, já com brancas no cabelo e idade para teres juízo, a pisar palcos aparentemente destinados a outros mais jovens e talentosos? Porque teimas em escrever textos, uns razoáveis outros tão maus que não passam do Word? Porque insistes em sair do emprego a correr para ires fazer 100,200, 400 km num fim-de-semana, dormires 5 horas durante o mesmo e pagares para fazer isso? Porque te sujeitas a assobios, interjeições disparatadas, interrupções apalermadas e comentários deslocados?

A resposta óbvia é porque gosto, dá-me um gozo tremendo. Óbvia mas demasiado redundante. Verdadeira mas demasiado vazia. Vou tentar , mas não prometo que consiga, pôr isso num texto. E como sempre disse, não tem de rimar, e a métrica não será a melhor, mas juro-vos que vem do fundo da alma...

Não sei se alguma vez vou conseguir passar a palavras a sensação de estar perante uma plateia que nos aplaude, satisfeita com um dos nossos textos. A mim o palco faz-me falta, dá-me vida, recarrega a alma, preenche vazios, completa sentidos. Não vos consigo transmitir a emoção que é ter de parar de ler a cada quadra para dar oportunidade aos aplausos se escoarem. Nada se compara com o efeito de ter uma Sr.ª com idade para ser minha avó pedir para me dar um beijo, dizendo que há muito não se divertia tanto. Não consigo ficar indiferente a outra senhora que se aproxima de mim e afirma que no ano anterior parecia mais animado, e que me faltou o saltinho na entrada em palco acompanhado do respectivo “Tcharan”. Ou o outro senhor, armado de um dos nossos livros, que me pedia por favor para o assinar, ao mesmo tempo que me contava a história do filho, tuno por vocação, e relembrava os seus próprios tempos de universitário dizendo sentir saudades do espírito reaccionário que via em nós. Ou aquele que vem perguntar porque não lemos um texto que tinha escutado há dois anos, e começa a recitar o início. Aquela criança que se senta no palco a meu lado e mostra o desenho feito, onde estava o pai, a mãe e os amarelos a actuar. Conseguis entender a ansiedade que se instala em mim quando entro pela 1ª vez da noite em palco? O desejo de transmitir alegria e boa disposição disfarçando de humor críticas severas que outros não têm coragem ou vontade de fazer? Ou então sem crítica mas com muita vontade de pôr um sorriso nas caras escondidas pela luz. A tristeza que se segue a uns minutos menos conseguidos em palco? O orgulho de ser convidado para fazer um espectáculo, onde só estivessem os Jogralhos, sem tunas, sem coros. Só nós. A alegria extrema de sair ovacionado do Coliseu em Lisboa? O medo terrível de não conseguir atingir as expectativas criadas? O orgulho que me encheu o peito quando o meu filho vestiu o meu casaco, o meu lenço e pela 1ª vez subiu a um palco comigo. E as horas que eu passei a limpar a baba quando me pede uns dias depois para lhe comprar um livro de anedotas.

Ah, então fazes isso para satisfazer o ego. Sim. Não.

Sabeis o que é chegar a um sítio pela 1ª vez, longe de vossa casa, e serem recebidos como os filhos perdidos? Entendeis o sentimento de regressar a casa numa terra que nunca visitastes? Como vos sentis quando recebeis aquele abraço forte e emocionado de alguém que vos não vê há 3 anos? E que vos tinha visto pela 1ª vez precisamente nessa altura. Há maneira de não chorar quando vem de cima de um palco uma dedicatória a mim em particular? Concebeis o facto de estar mais em casa em muitas aldeias, cidades e vilas por esse país do que em Braga? Conseguem quantificar o sorriso sincero que aquele tuno vos oferece do outro lado da cantina? Sabeis retomar uma conversa, interrompida no ano anterior precisamente no mesmo ponto em que tinha acabado? Sabem a que sabe uma sopa de feijão às 7 da manhã quando acompanhada de um fado e 4 militares da GNR? Como reagiam a uma escultura feita propositadamente para os Jogralhos, oferecida só porque são o que são? Achais bem receber o prémio de tuna mais tuna se nem pandeireta sabemos tocar? Conseguis perceber porque raios um tuno pede para um grupo de boas vozes se calar só porque vai tocar um fado que a minha voz vai assassinar? Tem lógica ouvir uma cidade a gritar “Medicina Allez…”? É normal serem dedicadas tantas músicas aos Amarelos? Faz sentido voltar ano após ano aos mesmos teatros, convidados pelas mesmas pessoas? Merecemos a constante preocupação que nos é devotada sobre o nosso bem-estar? Como raios se fazem bares em balneários e se criam aí cumplicidades que nunca mais se perdem? Sabeis porque carga de água sabe melhor o moscatel nessa altura?

Deixa ver se te percebo, basicamente és Jogral para satisfazeres o ego e te sentires importante. Certo? Claro. Bem, nem por isso. Não.

Há a última e primeira razão de o ser. Se quiserem a única. Aquela que se sobrepõe a todas e é válida per si.

Vós.

Vós irmãos de amarelo, com quem partilhei e ainda partilho parte da vida.

Todos vós sem excepção, desde a 1ª à última geração. Tu Kim. Tu Norby. Tu Póvoa. Tu Maia. Tu Arnaldo. Tu Louro. Tu Lena. Tu Pastilhas. Tu Kaixas. Tu Luke. Tu Mutley. Tu Nico, Tu Nharro. Tu Titi. Tu 25. Tu IP. Tu Mouro. Tu Spirou. Tu Nem. Tu Viagra. Tu Xis. Nunca vos agradeci por serem o que são, o que foram. Sou JOGRAL porque vos amo. Porque o vazio que deixariam em mim se não existísseis seria demasiado grande para preencher. Vós que sois a minha família depois da família. Que sois irmãos, e como irmãos discutimos, arrufamos, embirramos e lutamos. Saímos de casa para a independência mas voltamos sempre para o Natal. Emigramos mas fica sempre a vontade de regressar em Agosto. E quando o fazemos esquecemos as divergências e relembramos com saudade os tempos que já o não são. Vós que estais sempre aí quando preciso. Que fostes sempre os mesmos comigo, concordando ou não. Que estivestes em alguns dos momentos mais marcantes da minha vida. Que aceitais o que sou, pelo que sou. Que não me julgais. Que criticais sempre que é preciso sem me obrigar a reescrever. Que me pondes na cama quando são horas. Que me dais sem nunca pedir.
Que sabeis jogar futebol circular.
Que vos desviais do caminho para me levar a casa. Só vós entendeis o prazer e o orgulho de ser vosso escravo já depois de ser velho. Só vocês entendem um Rodolfo em pleno verão.

Não me preocupa a mediocridade literária deste texto. Nem a lamechice pegada que possa aparentar. Preocupava-me sim o poder morrer amanhã e nunca vos ter dito isto. E dizê-lo alto e em bom som. De forma clara e explícita para que nenhum de vós tenha dúvidas. E aqui, onde todos podem ler porque tenho orgulho de vocês, de nós.
Sou JOGRAL porque vos amo.


por Tilt

16 comentários:

Anónimo disse...

Sem palavras.
Estou sem palavras perante tal testemunho.
Se posso dar a minha humilde sugestão, acho que este texto deveria subir ao palco no 1º de Dezembro (e se possível que o 1º de Dezembro fosse feito á porta da Theatro Circo).
Se tal acontecer, estarei presente e se possível na primeira fila.

Obrigado Tilt.

Ass: Tarrafal (Ex-Augustuna)

Afal disse...

Acho que o que escreveste bate muitos dos meus livros preferidos, e eu leio muito...não é para mim, mas sente-se cada palavra.

Beijos ***

Miguel Araújo disse...

Lindo...

Concordo em que seja lido no 1º de Dezembro...

A.C. disse...

Chorei...

Obrigado Né.
Também vos amo a todos.

25

Pastilhas Júnior disse...

Também o sou e também porque vos amo, irmãos de armas.
Obrigado Né por expressares o que todos sentimos.

Spirou disse...

Tas um coto lamechas Tilt, mas também te amo muito...
Ainda havemos de contar estas lindas histórias de encantar aos teus netos. Já agora ve lá se dizes ao teu miúdo kem foi o escravo k lhe mudou uma fralda :P

Carla disse...

Lindo sem dúvida... profundo e franco, apenas digno de um Jogralho de corpo alma. É preciso ter esta coragem. É preciso saber dizer que se ama... Obrigada por todos voces fazerem parte da minha vida. Lindo!!

AnakinSkyWoka disse...

Se disser que amei este post é apenas uma amostra daquilo que senti ao lê-lo.

Eu até dizia que te amava Né mas andas metido com outros...:)

Abraço deste teu sempre amigo.

IP

Cristina disse...

Ainda estou a chorar...
Pode parecer lamechas, mas não quero saber... Acho que vou dar isto a ler o meu pai, para ele perceber com quem é que tenho uma relação extra-conjugal! ahaha tu percebes...
É por tudo isto que eu, AMO OS MEUS MENINOS AMARELOS!!!!!
Obrigada por fazerem parte da minha vida...
Beijos com asas para todos
Pássara, orgulhosamente guia dos Jogralhos

Anónimo disse...

Eu até ficaria amarela de ciúmes com tamanha declaração de amor se não fosse casada com ele... mas pronto.... vá eu deixo. Afinal o amarelo também está no meu coração:-))
Um beijo grande para todos
Guida

Rolls disse...

Né, que palavras, que sentimento, que amor esse que trazes em ti. Belo e singelo. Único! :)

Sem dúvida, dizer que se ama qualquer coisa faz sempre mais sentido quando se sente e se vive esse sentimento com humildade e pureza.

Um beijo enrolado de saudades,

Rolinhos

Anónimo disse...

fui vossa guia na covilhã. Eu e a Vânia, a outra guia, ainda ontem falamos em vós, contamos piadas vossas, sempre com o brilhozinho nos olhos por termos conhecido pessoas tão especiais como os amarelos. Só estivemos um fim-de-semana juntos mas tenho a certeza que nós as duas nos divertimos mais do que qualquer uma das outras guias! Ouvimos piadas, contamos piadas, não podiamos abrir a boca para dizer nada que já sabiamos que voces iam pegar, mas no sabado à noite já o mesmo acontecia convosco (foi do convivio).
foi só um fim-de-semana mas chegou para ficar um carinho muito grande por voces e saudades de vos voltar a ver. não só àqueles que guiamos, mas também aos outros de quem tanto ouvimos falar.
um beijinho para todos

Anónimo disse...

so quero morrer

Anónimo disse...

Li por acaso,
reli com prazer,
fiquei entusiasmado
so me apetece viver.

Obrigado. A vida tem destas coisas, as vezes onde menos se espera e que encontramos sinais que nos retiram do isolamento e do desanimo, nos dao esperanca e alegria, nos motivam a encontrar meios para fazer da nossa vida uma enorme festa,
A arte e a partilha, a capacidade de manter viva essa crianca que ja fomos e queremos continuar a ser, a capacidade de deslumbrarmo-nos com a fantasia e o sonho, e que nos torna criativos, e sim todos esses momentos em que o que fazemos toca outras almas de uma forma positiva.
Parabens, e uma delicia viver com paixao.

Um Tuga imigrante em Inglaterra, que trabalha para uma comunidade, te deseja muita felicidade, e pede que nao leves a mal por te chamar, COMPANHEIRO.
Um abraco
Manuel

Ser ou Não Ser? disse...

Leiam também meu pensamento sobre o mesmo.

http://ser-enaoser.blogspot.com/2010/10/suicidio.html

Zd´M disse...

Fadas-se!

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